Ab imo pectore.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Arquiteto a posteriori

(Razões da alegoria)





        Decerto agastado com as opiniões dos comentadores de arte, de quem experimentou do látego, o poeta e artista paulistano Sérgio Milliet da Costa e Silva (20.09.1898 – 09.11.1966) demonstrou desagrado em relação a alguns deles, assim dizendo, em conhecida expressão:
O crítico é um ARQUITETO A POSTERIORI, habilitado a desmontar o conjunto da obra peça por peça, para dizer como foi feita e com que material. E nessa tarefa mexeriqueira de desmontagem e remontagem, mais de uma vez se engana e ficam sobrando parafusos. (DELLA NINA, 1985, p. 320).
        Sobejas razões assistem ao escritor de Cartas à dançarina, pois os criticastros, quando não usam da louvaminha, da bajulação, fazem o reverso, retalhando comentários sórdidos, via de regra tangidos pela inveja e animados pela vindita. Os comentaristas de verdade são sóbrios nos seus escólios, pois leves nos reparos e parcimoniosos no elogio. Reprováveis são as críticas encomendadas, como censuráveis se mostram as apologias e os ditirambos.
        Gilberto Freyre, por sua vez, também reclama, ao exprimir que certos críticos, no Brasil quanto em Portugal, abrem um romance ou um poema à cata de pronomes mal colocados, erros de infinito, falhas de metrificação.
        Para o Intelectual pernambucano, estes se exibem como simples guardas-civis da ordem gramatical, meros mata-mosquitos de higiene da Gramática (DELLA NINA, 1985).
        Outro expoente da nossa cultura a verberar contra os aristarcos brasileiros é Gladstone Chaves de Melo, ao se reportar, por exemplo, às increpações de José Feliciano de Castilho (irmão de Antônio, cego) e Franklin Távora, os quais, ao que se dizia, excitados com dinheiro oficial, moveram “injusto e impiedoso” esforço, de estudo, contra José Martiniano de Alencar, o filho, em relação à polêmica travada acerca da Confederação dos Tamoios, de Domingos José Gonçalves de Magalhães, o Visconde do Araguaia.
[...] é uma campanha de desmoralização e de descrédito, organizada e levada a efeito com técnica e minúcia, um ataque sistemático e constante ao político, ao jurista, ao dramaturgo, ao romancista, ao escritor... É a crítica soez, feita a retalhos. Castilho é o tipo do caturra, gramaticoide estreito, exsudando latim e erudição por todos os poros, arvorando-se em mestre do bom gosto, do estilo, em paladino da vernaculidade. (MELO apud LELLIS, in MESQUITA, 1989).
        No concerto internacional, consoante o enorme João W. Goethe (1740-1832), o mais cáustico dos críticos é o amador mais fracassado (DELLA NINA, 1985), referência que, aliás, deve doer profundo a quem é assim conceituado.
      O festejado escritor de O Vermelho e o negro, Stendhal (Henrique-Maria Beyle – Grenoble, 23.l.1783; Paris, 27.3.1843), por sua vez, parte para a liça aprestado com os aços da palavra, ao exprimir, revoltado, a uma pessoa que dirigia comentários com desaires a uma de suas obras: “Este homem não tem a minha opinião; logo, é um imbecil; critica o meu livro, logo é um celerado, ladrão, assassino, asno, falsificador, canalha, covarde. (ID IBID., 319).”
Também Jorge Cristóvão Lichtenberg (Ober-Ramstadt, 1.7.1741; Gottingen, 24.2.1749), filósofo e primeiro docente de Física Experimental da Alemanha, acicata os maus críticos, ao exprimir a ideia de que, entre os maiores descobrimentos realizados pela mente humana, nos últimos tempos, figura a arte de julgar os livros sem sequer os folhear (IDEM), isto é, o não-li-não-gostei das mentes desprovidas, que comentam os escritos de alguém às vezes sem sequer proceder à leitura das guarnições.
Efetivamente, esses exemplos, pinçados de centenas de registos procedidos por pessoas afamadas e açoitadas pelos criticoides, malgrado verdadeiros, liberam a verve dos honestos comentaristas, os quais, à isenção, erigem aos seus devidos patins a arte produzida, conferindo-lhes o merecido lugar no pantheon da história, conduzindo-os ou não à posteridade, resistentes ou não resilientes às intempéries e modismos, e.g., da indústria cultural, divisada inauguralmente por Max Horkheimer e Theodoro Wiensengrund Adorno.
Como primeira serventia, no entanto, intentamos com estas referências justificar a alegoria do título deste livro – ARQUITETO A POSTERIORI – com a vênia do artista e escritor paulistano referido no pórtico deste segmento.
           Subsidiariamente, também, expressamos a ideia de homenagear esse literato, de referência nacional e mundial, como jornalista, poeta bilíngue (escrevia em francês – seu avô tinha essa nacionalidade) e tradutor. Como assere o escritor paulista Mário da Silva Brito (* Dois Córregos, 14.09.1916),
         [...] nome de importância na história da cultura de vanguarda no Brasil, tendo-se interessado por todas as manifestações inovadoras surgidas no País, a partir da Semana de Arte Moderna, da qual foi participante. Fez a polêmica modernista, notadamente a irrompida entre os próprios grupos renovadores, e, pela sua busca de equilíbrio, já o apontaram como o elo de ligação (sic) entre os modernistas históricos e as novas gerações suas sucessoras. (Apud MENEZES, 1969, p. 840).
Expressa, ainda, esse seriíssimo crítico da Literatura brasileira, o fato de que, da obra em língua prosa do poeta de Par le Sentier e Les Départ Sons Pluie, tem destaque,
          [...] especialmente para o conhecimento da evolução do modernismo, e notadamente da poesia dessa fase, a série intitulada Diário Crítico – vasto painel que documenta as ideias, os livros e os autores do período que abrange. (ID. IBID., pp. 840-1).
         Nossa homenagem e reconhecimento a este, que abre o volume e apadrinha as dezenas de produtores cearenses aqui comentados, em seus escritos de ciência e tecnologia e literatura, em uma reunião de artigos, guarnições, quartas capas, pronunciamentos e prefácios ajuntados ao longo de algum tempo e que não perderam a atualidade e a essência, de sorte ter valido a pena – pensamos – guardá-los e, agora, trazê-los enfeixados na forma de livro.
        Chamamos a atenção para o fato de que não nos consideramos arquiteto ao depois, porquanto não desmontamos nem remontamos nada, limitando-nos a comentar – sem bater nos autores e tampouco os adular. Também optamos por não escrever a respeito de trabalhos de má qualidade, nem tomar de assalto os bons escritos, pespegando-lhes, adredemente, defeitos nestes não contidos, como procedem certos comentadores para estimular a arenga e proceder à vindita, pois (e isto é uma glória) não constituímos desafetos.
         Os textos neste livro comentado – todos – são de boa qualidade.
         Neste comenos, pedimos vênia aos leitores para reproduzir a epígrafe do nosso primeiro livro – Sobre livros – aspectos da editoração acadêmica – publicado pelas Edições UFC em 1984. Historicamente, consoante a pesquisadora Leilah Santiago Bufrem, na investigação Editoras Universitárias Brasileiras – uma crítica para a reformulação (São Paulo: EDUSP, 2001), nosso livro há pouco mencionado é o primeiro da área de editoração acadêmica do Brasil.
     A prefalada epígrafe é da colheita de Pavel Dmitriyevich Korin (Palekh,8.7.1892; Moscou, 22.11.1967), pintor e restaurador de arte, conhecido pelo tamanho enorme de suas peças e em razão do seu extraordinário realismo.
           A menção coincide com a nossa intenção ao preparar este trabalho.

          Mi articulo no es um tratado cientifico ni un programa, sino más bien meditaciones en lo alto de un puerto montañoso, cuando el largo camiño queda ya atrás, pero la cima se encuentra todavia delante desde la altura conquistada por nuestro arte desde la altura de los ideales y objectivos del siglo, se siente la necessidad de ojear en torno, de mirar atrás y de avizorar el futuro. Ocurre eso porque el presente es siempre un puente entre el passado y el porvenir.

ORAÇÃO – SILÊNCIO E RECOLHIMENTO



Vianney Mesquita



Segundo o conceito mais geral e notório, oração corresponde à elevação da alma e do coração a Deus, a fim de adorá-lO, agradecer-Lhe e dEle solicitar as graças de que todos necessitam.
Em ideia semelhante, denota a súplica destinada aos santos, com o escopo de rogar-lhes, como entes que já privam da Presença Divina, a intercessão, junto ao Criador, para que Ele aceda aos pedidos de cada qual, desde que procedentes e justos: “Vosso Pai sabe o que vos é necessário, primeiro que vós lhO peçais”.(Mt. 6-8).
Com efeito, para a súplica ser integral e efetiva, é absolutamente indispensável uma circunstância especial: haver SILÊNCIO e RECOLHIMENTO. Impõe-se, portanto, antes de tudo, se aquietar o espírito, sossegar o transporte e a têmpera da alma, por via da tranquilidade, com vistas a se instalar a meditação sob quietude completa.
           Afigura-se realmente impossível uma pessoa orar ao ritmo da celeuma e ao compasso do ruído, quando da comunicação com o Pai e os seus eleitos. A prece jamais poderá suceder, efetivamente, sem o recato espiritual, na ausência de SILÊNCIO absoluto e RECOLHIMENTO perfeito.
           O tempo durante o qual se permanece no templo antes de iniciar o ministério da Santa Missa é a ocasião ensejada para se aprestar a ambiência de oração, aprontar o locus da paz e quietação e completar o diálogo com Deus na plenitude.
           É por demais recorrente, entretanto, no interior de nossas igrejas, capelas, santuários e afins, o fato de os fiéis demandarem os requisitos do SILÊNCIO e do RECOLHIMENTO e não lograrem sucesso em tal pretensão, em virtude da interferência de cochichos e colóquios, até em tons elevados, por parte de seus vizinhos, cobrindo todo tipo de assunto, desde os temas domésticos e as fofocas até o futebol.
Resta, então, por conseguinte, inviabilizada a condição propícia à conversação transcendente, configurada nas preces, para recepcionar a celebração do Ofício Divino.
        Não será, entretanto, o cumprimento sóbrio, a vênia ou reverência discreta, a obstarem um bom estado de oração -- isso é admissível. Contrario sensu, a zoada e a sibilação constantes, denotativas de uma insuficiente urbanidade – estas, sim – é que atalham os pensamentos de quem pretende e precisa rezar, confundindo o entendimento comunicacional com as Pessoas do Alto e baldando o ideal de quem se dirigiu à Igreja com o objetivo de agradecer, pedir perdão, implorar por quem se finou e tantas outras rogativas de que o ser humano é carecente.
         Respeitemos, pois, o fiel cristão que intente estabelecer ligação pacífica e sem arruídos com Deus e os seus santos, colaborando ao fazer SILÊNCIO – este que, na dicção do escritor e político espanhol Luiz Araquistain, é o pai da meditação, que é a mãe da crítica, e esta, por sua vez, é a madrasta do pessimismo.
        Reverenciemos, pois, esses irmãos que desejam orar e não podem, em virtude do pouco caso, dessa indiferença em relação a eles, das conversas travadas em fala alta na intimidade da Igreja, impedindo os liames que cogitam estabelecer com o Pai Celeste e as almas nEle santificadas.
        Tenhamos, por conseguinte, na devida conta o fato de que a ORAÇÃO efetiva solicita a circunstância primordial do SILÊNCIO e do RECOLHIMENTO!