(Razões da alegoria)
O crítico é
um ARQUITETO A POSTERIORI, habilitado a desmontar o conjunto da obra peça por
peça, para dizer como foi feita e com que material. E nessa tarefa mexeriqueira
de desmontagem e remontagem, mais de uma vez se engana e ficam sobrando parafusos.
(DELLA NINA, 1985, p. 320).
Sobejas razões assistem ao escritor de Cartas à dançarina,
pois os criticastros, quando não usam da louvaminha, da bajulação, fazem o
reverso, retalhando comentários sórdidos, via de regra tangidos pela inveja e
animados pela vindita. Os comentaristas de verdade são sóbrios nos seus
escólios, pois leves nos reparos e parcimoniosos no elogio. Reprováveis são as
críticas encomendadas, como censuráveis se mostram as apologias e os
ditirambos.
Gilberto Freyre, por sua vez, também reclama, ao exprimir que
certos críticos, no Brasil quanto em Portugal, abrem um romance ou um poema à
cata de pronomes mal colocados, erros de infinito, falhas de metrificação.
Para o Intelectual pernambucano, estes se exibem como simples
guardas-civis da ordem gramatical, meros mata-mosquitos de higiene da Gramática
(DELLA NINA, 1985).
Outro expoente da nossa cultura a verberar contra os aristarcos
brasileiros é Gladstone Chaves de Melo, ao se reportar, por exemplo, às
increpações de José Feliciano de Castilho (irmão de Antônio, cego) e Franklin
Távora, os quais, ao que se dizia, excitados com dinheiro oficial, moveram
“injusto e impiedoso” esforço, de estudo, contra José Martiniano de Alencar, o
filho, em relação à polêmica travada acerca da Confederação dos Tamoios,
de Domingos José Gonçalves de Magalhães, o Visconde do Araguaia.
[...] é uma campanha de desmoralização e de descrédito,
organizada e levada a efeito com técnica e minúcia, um ataque sistemático e
constante ao político, ao jurista, ao dramaturgo, ao romancista, ao escritor...
É a crítica soez, feita a retalhos. Castilho é o tipo do caturra, gramaticoide
estreito, exsudando latim e erudição por todos os poros, arvorando-se em mestre
do bom gosto, do estilo, em paladino da vernaculidade. (MELO apud LELLIS, in
MESQUITA, 1989).
No concerto internacional, consoante o enorme João W. Goethe
(1740-1832), o mais cáustico dos críticos é o amador mais fracassado (DELLA
NINA, 1985), referência que, aliás, deve doer profundo a quem é assim
conceituado.
O festejado escritor de O Vermelho e o negro, Stendhal
(Henrique-Maria Beyle – Grenoble, 23.l.1783; Paris, 27.3.1843), por sua vez,
parte para a liça aprestado com os aços da palavra, ao exprimir, revoltado, a
uma pessoa que dirigia comentários com desaires a uma de suas obras: “Este
homem não tem a minha opinião; logo, é um imbecil; critica o meu livro, logo é
um celerado, ladrão, assassino, asno, falsificador, canalha, covarde. (ID
IBID., 319).”
Também Jorge Cristóvão
Lichtenberg (Ober-Ramstadt, 1.7.1741; Gottingen, 24.2.1749), filósofo e
primeiro docente de Física Experimental da Alemanha, acicata os maus críticos,
ao exprimir a ideia de que, entre os maiores descobrimentos realizados pela
mente humana, nos últimos tempos, figura a arte de julgar os livros sem sequer
os folhear (IDEM), isto é, o não-li-não-gostei das mentes desprovidas,
que comentam os escritos de alguém às vezes sem sequer proceder à leitura das
guarnições.
Efetivamente, esses exemplos, pinçados de centenas de registos
procedidos por pessoas afamadas e açoitadas pelos criticoides, malgrado
verdadeiros, liberam a verve dos honestos comentaristas, os quais, à isenção,
erigem aos seus devidos patins a arte produzida, conferindo-lhes o merecido
lugar no pantheon da história, conduzindo-os ou não à posteridade,
resistentes ou não resilientes às intempéries e modismos, e.g., da
indústria cultural, divisada inauguralmente por Max Horkheimer e Theodoro
Wiensengrund Adorno.
Como primeira serventia, no entanto, intentamos com estas
referências justificar a alegoria do título deste livro – ARQUITETO A
POSTERIORI – com a vênia do artista e escritor paulistano referido no
pórtico deste segmento.
Subsidiariamente, também, expressamos a ideia de homenagear esse
literato, de referência nacional e mundial, como jornalista, poeta bilíngue
(escrevia em francês – seu avô tinha essa nacionalidade) e tradutor. Como
assere o escritor paulista Mário da Silva Brito (* Dois Córregos, 14.09.1916),
[...] nome de importância na história da cultura de vanguarda no
Brasil, tendo-se interessado por todas as manifestações inovadoras surgidas no
País, a partir da Semana de Arte Moderna, da qual foi participante. Fez a
polêmica modernista, notadamente a irrompida entre os próprios grupos
renovadores, e, pela sua busca de equilíbrio, já o apontaram como o elo de
ligação (sic) entre os modernistas históricos e as novas gerações suas
sucessoras. (Apud MENEZES, 1969, p. 840).
Expressa, ainda, esse seriíssimo crítico da Literatura
brasileira, o fato de que, da obra em língua prosa do poeta de Par le
Sentier e Les Départ Sons Pluie, tem destaque,
[...] especialmente para o conhecimento da evolução do
modernismo, e notadamente da poesia dessa fase, a série intitulada Diário
Crítico – vasto painel que documenta as ideias, os livros e os autores do
período que abrange. (ID. IBID., pp. 840-1).
Nossa homenagem e
reconhecimento a este, que abre o volume e apadrinha as dezenas de produtores
cearenses aqui comentados, em seus escritos de ciência e tecnologia e
literatura, em uma reunião de artigos, guarnições, quartas capas,
pronunciamentos e prefácios ajuntados ao longo de algum tempo e que não
perderam a atualidade e a essência, de sorte ter valido a pena – pensamos –
guardá-los e, agora, trazê-los enfeixados na forma de livro.
Chamamos a atenção para o fato de que não nos consideramos
arquiteto ao depois, porquanto não desmontamos nem remontamos nada,
limitando-nos a comentar – sem bater nos autores e tampouco os adular. Também
optamos por não escrever a respeito de trabalhos de má qualidade, nem tomar de
assalto os bons escritos, pespegando-lhes, adredemente, defeitos nestes não
contidos, como procedem certos comentadores para estimular a arenga e proceder
à vindita, pois (e isto é uma glória) não constituímos desafetos.
Os textos neste livro comentado – todos – são de boa qualidade.
Neste comenos, pedimos vênia aos leitores para reproduzir a
epígrafe do nosso primeiro livro – Sobre livros – aspectos da editoração
acadêmica – publicado pelas Edições UFC em 1984. Historicamente, consoante a
pesquisadora Leilah Santiago Bufrem, na investigação Editoras Universitárias
Brasileiras – uma crítica para a reformulação (São Paulo: EDUSP, 2001),
nosso livro há pouco mencionado é o primeiro da área de editoração acadêmica do
Brasil.
A prefalada epígrafe é da colheita de Pavel Dmitriyevich Korin
(Palekh,8.7.1892; Moscou, 22.11.1967), pintor e restaurador de arte, conhecido
pelo tamanho enorme de suas peças e em razão do seu extraordinário realismo.
A menção coincide com a nossa intenção ao preparar este trabalho.
Mi articulo no es um
tratado cientifico ni un programa, sino más bien meditaciones en lo alto de un
puerto montañoso, cuando el largo camiño queda ya atrás, pero la cima se
encuentra todavia delante desde la altura conquistada por nuestro arte desde la
altura de los ideales y objectivos del siglo, se siente la necessidad de ojear
en torno, de mirar atrás y de avizorar el futuro. Ocurre eso porque el presente
es siempre un puente entre el passado y el porvenir.